Nesta semana, a divulgação da inflação norte-americana mostrou que o trabalho de afrouxamento monetário por lá não será tão simples quanto grande parte do mercado imaginava. O núcleo do CPI apresentou alta de 3.8% em março (base anual), acima das expectativas do mercado. Especialmente a inflação de serviços, mas também a inflação do aluguel e transportes continuam ainda acima dos 5%, gerando dúvida sobre os possíveis movimentos futuros do Federal Reserve. É importante lembrarmos que as principais metas do Banco Central norte-americano são: trazer a inflação para 2% ao ano sem que haja maiores intercorrências no mercado de trabalho, isto é, mantendo a economia forte.
A opinião que quero trazer aqui é que essas metas do Banco Central norte-americano não serão atingidas em conjunto. Pela quantidade de dinheiro injetada na economia no pós-pandemia e pela amostragem dos indicadores econômicos desde o início desse ano, não será crível que o Banco Central norte-americano alcance e mantenha a inflação em apenas 2% a.a., com consistência, sem que aconteça algum arrefecimento do mercado de trabalho.
No pós-pandemia, a dívida do governo norte-americano em relação ao PIB saiu de 107% (2019) para 128% (2020). No final de 2023, se encontrava em 131%.
Dívida do governo/PIB (%):
Fonte: Trading Economics
Conforme já mencionado em outros artigos, esse recurso injetado na economia foi para custear os desafios trazidos pela pandemia, mas o excedente, as famílias acabaram por adquirir ativos, especialmente ações e imóveis. Com isso, o preço dos novos imóveis americanos subiu em torno de 30% nesse período.
Passados quatro anos, essa conta parece começar a chegar. As poupanças das famílias (savings) já se foram. Desde o início de 2024, o setor imobiliário vem demonstrando uma mudança de tendência: os gastos no setor de construção caem; a quantidade de casas usadas à venda aumenta; o valor das novas casas à venda vem caindo e o tamanho médio dos financiamentos imobiliários aumentando (famílias mais endividadas). Somado a isso, as dívidas em cartão de crédito estão 20% superiores ao período pré-pandemia. Contudo, o consumo das famílias cresce. De onde vem esse dinheiro?
Parece que o que está sustentando o consumo forte das famílias é a força do mercado de trabalho, ou seja, a capacidade dos trabalhadores de conquistarem reajustes salariais reais, se aproveitando da falta de mão de obra qualificada disponível. A taxa de desemprego, embora minimamente superior à do início do ano, está em 3.8%, praticamente nas mínimas históricas. A criação de novas vagas no mercado de trabalho (Payroll) segue superando as expectativas mês a mês e o ganho por hora trabalhada se mantém acima da inflação. Com esse cenário, fica difícil imaginar uma queda da inflação para a meta (2%) sem qualquer dano à economia.
Considerando que as expectativas futuras de inflação estão em torno de 3% (Michigan 5-year inflation expectations) e pensando em uma taxa de juros real neutra norte-americana em 2% ou 2.5%, não há como pensar em uma taxa de juros (Fed Funds) muito diferente de algo próximo aos 5% (atualmente em 5.5%). Ou será que haveria estímulo para um mercado de trabalho já estimulado? Faz sentido? Portanto, a precificação do mercado para três cortes nos juros em 2024 e iniciando já em junho aparentava ser mesmo bastante forçada. O FED precisará de novos dados para evitar tomar decisões precipitadas e que possam gerar problemas maiores para a economia no futuro. Entretanto, não parece factível ver a inflação em 2% sem algum enfraquecimento maior do mercado de trabalho, o que nos leva a acreditar que o chamado “pouso suave” não irá se concretizar.
Por Maurício Cardoso, CFP®
12 de abril de 2024.