Os regimes de casamento e a divisão do patrimônio na sucessão

As pessoas não costumam dar muita atenção para a escolha do regime de casamento, mas uma escolha equivocada ou falta de escolha pode trazer duras consequências não só para o casal como também para a família como um todo.

O intuito deste post não é especificar os mínimos detalhes de cada uma das situações envolvendo os diferentes regimes de casamento e suas implicações pois isso seria praticamente impossível. A ideia aqui é dar alguns exemplos práticos de como ficaria a distribuição dos bens no caso de eventual falecimento de uma das pessoas do casal. Como disse, há muitos detalhes envolvidos e cada caso é um caso, fazendo com que muitas vezes o judiciário precise determinar uma solução para uma situação diferente, que foge à regra.

Algumas definições fundamentais:

  • São esses os regimes de casamento: 1) Comunhão parcial de bens; 2) Comunhão universal de bens; 3) Separação universal de bens; 4) Separação obrigatória de bens; 5) Participação final nos aquestos.
  • Quem são os herdeiros NECESSÁRIOS? São os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
  • Qual é a ordem sucessória?
  1. aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
  2. aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
  3. ao cônjuge sobrevivente;
  4. aos colaterais.
  • Quando não for escolhido o regime de casamento, seja na união estável ou no casamento, o regime considerado será o da COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.
  • Bens particulares são os bens adquiridos antes da união estável ou casamento. Bens Comuns são os bens adquiridos após a união estável ou casamento.
  • O que é MEAÇÃO? É o direito do cônjuge à metade dos bens COMUNS do casal, principalmente nos regimes de comunhão universal, comunhão parcial e participação final nos aquestos. Como na comunhão universal TODO o patrimônio é COMUM, a meação, neste caso, se trata da metade de todo o patrimônio. Onde não existe bem COMUM, como no caso da separação universal de bens, não existe MEAÇÃO.
  • O que é HERANÇA? A herança é a parcela dos bens que não compõe a meação. A herança é dividida entre LEGÍTIMA e DISPONÍVEL. A LEGÍTIMA é aquela reservada aos herdeiros necessários, ou seja, é a parcela indisponível da herança e equivale a 50% do patrimônio. Já a DISPONÍVEL, equivale aos outros 50% e pode ser direcionada livremente pelo testador por meio de um testamento, por exemplo. 
  • O que é a Separação OBRIGATÓRIA de bens: O código civil torna obrigatório o regime de separação OBRIGATÓRIA de bens para o casamento de pessoa maior de 70 anos, assim como para todos que dependem de autorização judicial para se casar.

Vamos a alguns exemplos práticos na COMUNHÃO PARCIAL DE BENS:

Suponha a seguinte situação fictícia: João e Maria são casados; Possuem 2 filhos em comum; Possuem 2 imóveis que totalizam R$ 2.000.000,00 (R$ 1 MM cada); Possuem 2 carros que totalizam R$ 200.000,00 (R$ 100 mil cada). Tanto os imóveis quanto os veículos foram adquiridos após o casamento. João veio a falecer. Como fica a sucessão?

Total do patrimônio: R$ 2.200.000,00

Maria tem direito à meação: 50% de todo o patrimônio = R$ 1.100.000,00

A herança é dividida entre os dois filhos, em partes iguais: Filho 1 = R$ 550.000,00; Filho 2 = R$ 550.000,00. 

Total recebido por cada um:

Maria = R$ 1.100.000,00

Filho 1 = R$ 550.000,00

Filho 2 = R$ 550.000,00

Agora, vamos supor que João tivesse um dos apartamentos e um dos veículos antes do casamento com Maria e Maria tivesse o outro apartamento e o outro veículo antes do casamento com João, ou seja, sendo considerados bens particulares. Dessa forma:

João = R$ 1MM + R$ 100 mil (adquiridos anterior ao casamento)

Maria = R$ 1MM + R$ 100 mil (adquiridos anterior ao casamento)

João falece. Como fica a sucessão?

Não há meação, pois não há bens adquiridos após o casamento (bens comuns).

E a herança (R$ 1.100.000,00) de João?

Será dividida da seguinte forma:

Maria = R$ 366.666,67

Filho 1 = R$ 366.666,67

Filho 2 = R$ 366.666,67

Ou seja, na comunhão parcial de bens o cônjuge concorre em igualdade com os filhos, com relação à herança, sob os bens PARTICULARES.

Agora, vamos supor uma outra situação…

João possui 1 imóvel anterior ao casamento, no valor de R$ 500 mil, e ele e Maria possuem um imóvel adquirido após o casamento, no valor de R$ 1.000.000,00. Além disso, João possui 1 filho de outro casamento e mais 2 filhos com Maria.

João falece. Como fica a sucessão?

Há meação sobre o apartamento adquirido após o casamento (bem comum): Maria recebe R$ 500 mil (50% do bem comum);

Sobre a herança:

Os outros 50% do bem comum são divididos entre o filho de João do casamento anterior e os dois filhos de João com Maria:

Filho 1 = R$ 166.666,67

Filho 2 = R$ 166.666,67

Filho 3 (do casamento anterior) = R$ 166.666,67

E como fica a herança sobre o imóvel particular de João nesse caso?

É dividido igualmente entre os 3 filhos E Maria:

Maria = R$ 125.000,00

Filho 1 = R$ 125.000,00

Filho 2 = R$ 125.000,00

Filho 3 (do casamento anterior) = R$ 125.000,00

Total para cada um após toda a divisão:

Maria = R$ 625.000,00

Filho 1 = R$ 291.666,67

Filho 2 = R$ 291.666,67

Filho 3 (do casamento anterior) = R$ 291.666,67

Para que esse post não fique muito longo, segue abaixo um resumo dos outros regimes de casamento:

COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS: Há meação. A título de meação, o cônjuge sobrevivente tem direito há 50% de todo o patrimônio, sejam bens comuns (adquiridos após o casamento) ou bens particulares (anteriores ao casamento), com algumas exceções. Com relação à herança, o cônjuge sobrevivente não tem direito.

SEPARAÇÃO UNIVERSAL DE BENS: Não há bens comuns, portanto, não existe meação. Com relação à herança, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes sob os bens PARTICULARES (adquiridos anteriormente ao casamento).

SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS: Há meação com relação aos bens comuns (adquiridos durante o casamento). Portanto, o cônjuge sobrevivente tem direito a 50% dos bens comuns. Com relação à herança, o cônjuge sobrevivente não tem direito.

PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS: A divisão fica igual ao regime de comunhão parcial de bens, ou seja, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação de 50% dos bens comuns (adquiridos após o casamento). Com relação à herança, o cônjuge sobrevivente tem direito com relação aos bens PARTICULARES, em concurso com os descendentes. 

Há algumas medidas que podem ser tomadas para direcionar parte do patrimônio e modificar uma parte da divisão na sucessão, caso seja desejo do indivíduo. Uma delas é a confecção de um TESTAMENTO. O testador pode, por meio do testamento, direcionar até metade (50%) de sua herança – parte disponível – para quem bem entender. Mas é importante salientar que o fato de existir um testamento faz com que o inventário tenha que ser obrigatoriamente judicial, não podendo ser extrajudicial e, com isso, gerando maior morosidade e custos.  

Esse é um assunto bastante amplo, com diversas particularidades para cada caso, conforme mencionado no início deste post. Portanto, é primordial uma análise detalhada da legislação e das decisões judiciais correntes para uma melhor tomada de decisão sobre as alternativas disponíveis. A escolha consciente sobre qual regime de casamento definir, partindo do princípio de que o casal pretende constituir família, é outro fator importantíssimo e que pode evitar muitos problemas futuros. 

Florianópolis, 13 de outubro de 2023.